Questões sobre a cobertura fertilização in vitro pelos planos de saúde

Uma das maiores conquistas científicas no tocante à reprodução humana foi o advento das técnicas de reprodução assistida. Elas permitem a concepção por meios artificiais e possibilitam inúmeros casais com dificuldade de ter filhos a terem condições de constituírem suas famílias biológicas.

A Lei nº 11.935/09 alterou a Lei dos Planos de Saúde e tornou obrigatória a cobertura nos casos de planejamento familiar. Essa mudança reconhece o fato de que a infertilidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde-OMS como uma doença e permite que juízes sentenciem de forma favorável à cobertura dos tratamentos de fertilização in vitro por parte das operadoras de planos de saúde.

Para ter acesso às técnicas de reprodução assistida, muitos clientes de planos de saúde têm ajuizado ações para obrigar suas operadoras de planos de saúde para obrigá-las a efetuar a cobertura desse tipo de tratamento. Enquanto os juízes de primeira instância têm sido favoráveis aos consumidores, os tribunais de segunda instância e o Superior Tribunal de Justiça tem sido contrários aos consumidores, entendendo que as operadoras de planos de saúde não seriam obrigadas a custear o tratamento contra infertilidade de seus clientes. O que tem acontecido, portanto, é uma disputa de forças entre os juízes e os tribunais estaduais e superiores.

O que é reprodução assistida

Chamamos de planejamento familiar o conjunto de medidas que visa garantir a saúde da família e a escolha dos casais quanto às condições em que pretendem ter seus filhos, bem como o tipo de criação que eles terão seus filhos. Este é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e que reconhece que a decisão do casal está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana.

O planejamento familiar se concretiza por meio de ações preventivas e educativas, além do acesso a informações, métodos e técnicas que possibilitem a concepção. Desta forma, é dever do Estado promover o auxílio e a orientação devidos junto à população, de modo que cada pessoa possa exercer seu direito fundamental de planejar sua família.

Historicamente, não se considerava que os tratamentos de reprodução assistida eram parte do planejamento familiar, e isso se refletiu em como a Lei dos Planos de Saúde foi originalmente escrita e aprovada. Isto porque que, ao definir o que seria passível de cobertura, excluiu a inseminação artificial. Embora a Lei dos Planos de Saúde tenha excluído apenas a alternativa da inseminação artificial, tanto a Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS quanto os tribunais têm aplicado uma exclusão mais ampla e negando cobertura também à fertilização in vitro.

Ficou, então, uma contradição aparente na Lei dos Planos de Saúde: enquanto a lei obrigava a cobertura das ações de planejamento familiar, negava acesso tanto a inseminação artificial como à fertilização in vitro. Vamos entender como solucionar esta situação.

As espécies de reprodução assistida: inseminação artificial e fertilização in vitro

Na época em que a Lei dos Planos de Saúde foi originalmente escrita, os tratamentos de fertilização in vitro eram experimental e, por isso, fazia sentido que as operadoras de plano de saúde não fossem obrigadas a custeá-lo. Porém, Maury Bottesini e Mauro Conti Machado lembram que, com o avanço das técnicas de fertilização, este tratamento se tornou mais seguro, mais fácil e popularizado, e não é mais um experimento, e, sim, um tratamento médico com razoável grau de eficácia.

Com isso, a própria Lei dos Planos de Saúde passou a prever a cobertura para tratamentos relacionados a planejamento familiar, mas a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS manteve os tratamentos contra a infertilidade fora do rol de procedimentos cobertos. Na prática, os clientes de plano de saúde acabavam por dificultar o acesso a estes tratamentos – e muitas pessoas que fizeram requerimento às suas operadoras ou ingressaram com ações na Justiça antes de setembro de 2022 ainda podem estar passando por esta situação. Se este for o seu caso, sugerimos que leia a este artigo com atenção.

É importante estabelecer, inicialmente, a diferença entre inseminação artificial e fertilização in vitro. Sobre isso, Regina Tavares explica que, enquanto na inseminação artificial o espermatozoide é introduzido diretamente no útero da mulher, a fertilização in vitro é uma técnica de laboratório em que uma quantidade significativa de espermatozoides previamente selecionados é utilizada para fecundar óvulos extraídos dos ovários da mulher, onde os embriões formados e em boas condições são posteriormente transferidos para o útero feminino.

A infertilidade como problema de saúde a ser tratado

A Lei dos Planos de Saúde prevê cobertura para tratamentos relacionados a planejamento familiar. Esses tratamentos estão relacionados podem ser de dois tipos: limitar a procriação (como a laqueadura ou vasectomia) ou combater a esterilidade ou dificuldades para conceber (caso da inseminação artificial e da fertilização in vitro). Aqui é como solucionamos este impasse: embora a Lei dos Planos de Saúde não preveja a cobertura do procedimento de inseminação artificial, ela também garante que o cliente tenha acesso ao planejamento familiar.
O direito ao planejamento familiar atribui a todas as pessoas o direito de optar por ter filhos, e o Estado tem a obrigação de prestar o devido auxílio nesse sentido, garantindo o bem-estar tanto dos pais quanto dos filhos que estão por vir. Quando uma pessoa contrata um plano de saúde, ela se compromete financeiramente a pagar para que suas doenças ou condições de saúde sejam tratadas com recursos privados. Em outras palavras, há um contrato com a operadora para que esse auxílio, que originalmente caberia ao Estado, seja prestado pela operadora.

A operadora pode negar acesso às técnicas de reprodução assistida à mulher que pode engravidar naturalmente e queira optar pela inseminação artificial por sua conveniência ou preferência, e não como um tratamento. Mas um casal que sofre de alguma doença ou impedimento fisiológico que impeça uma gravidez natural deve ser enquadrado como elegível a uma alternativa de planejamento familiar, e é nesta situação em que a operadora deve prestar assistência, porque se trata de um tratamento médico.

O que devemos ter em mente é que a proibição que estava prevista na Lei dos Planos de Saúde, antes da alteração que vamos explicar no último capítulo, se referia a apenas uma das técnica de reprodução assistida: a de inseminação artificial. Nos casos em que a recomendação médica fosse a de fertilização in vitro, não existia nenhuma contradição na lei que impeça os clientes de acessarem este tratamento. Essa contradição ficou resolvida com a publicação da Lei 14.454, de 21 de setembro de 2022, sobre a qual vamos falar mais à frente.

Antes da nova lei, apenas os casos em que a inseminação artificial fosse o tratamento recomendado pelo médico assistente poderiam levantar alguma dúvida por parte das operadoras. Isto porque, embora existisse a proibição no texto da lei, ela não explicava como solucionar os casos em o cliente do plano de saúde é portador de alguma forma de infertilidade que, como doença, possa ser solucionada por inseminação artificial. É esta explicação que é trazida pela nova lei.

Lembre-se de que a Lei dos Planos de Saúde já previa que todas as doenças assim classificadas pela Organização Mundial da Saúde deveriam ser cobertas pelos planos de saúde e, como explicamos, a infertilidade é uma doença. Tanto a inseminação artificial quanto a fertilização in vitro, portanto, são opções de tratamento reconhecidas pela OMS e, por isso, o mais correto é que os casos de impedimento natural para a gravidez devem ter direto a acessar o tratamento compatível através de uma das técnicas de reprodução assistida.

A alteração do rol taxativo pela Lei 14.454/22

Por serem tratamentos seguros e reconhecidos pela OMS, é ilegal que as operadoras de planos de saúde neguem a cobertura de tratamentos de reprodução assistida em casos de dificuldade de concepção. Este posicionamento ficou mais claro com a publicação da Lei 14.454/22, que definiu como obrigatória a cobertura de exames ou tratamentos de saúde não incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.

A nova lei traz critérios para que os beneficiários dos planos de saúde solicitem cobertura de procedimentos que antes faziam parte do chamado rol taxativo da ANS e, com esses critérios, a dúvida que as operadoras de saúde costumavam levantar nos casos de inseminação artificial. A partir de agora, os clientes podem contar com mais segurança jurídica, porque podemos conferir se os critérios previstos na lei foram cumpridos ou não – e se a operadora de saúde poderia negar ou não a cobertura da reprodução assistida.

Se o seu contrato contém uma cláusula contratual que exclui a cobertura para tratamentos de infertilidade, esta cláusula não apenas é abusiva como, com a nova lei, essa cláusula não é compatível com a nova lei e, por isso, não possui mais eficácia. Você pode notificar a operadora e buscar uma solução amigável, o que é sempre recomendável, mais rápido e mais barato. Mas, se não for possível um acordo com a operadora, a intervenção de um advogado se torna essencial para defender seus direitos.

Se este é o seu caso, entre em contato conosco. Temos advogados especializados em Direito da Saúde para te orientar.

Referências
BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde comentada: artigo por artigo. -3. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 69-70.
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Responsabilidade civil na reprodução assistida. In: TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz (coord.), Responsabilidade civil: responsabilidade civil na área da saúde. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 238.

BRASIL. LEI Nº 11.935, DE 11 DE MAIO DE 2009. Altera o art. 36-C da Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11935.htm, acesso em 30.03.2023.
BRASIL. Lei 14.454, de 21 de setembro de 2022. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.454-de-21-de-setembro-de-2022-431275000, acesso em 30.03.2023.

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